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Após privatização da Sabesp e primeira fase da reforma administrativa, Tarcísio quer aprovar corte na educação. ETECs e FATECs serão prejudicadas

Parte da ‘boiada’ do governador Tarcísio de Freitas já passou na Assembleia Legislativa (Alesp). Na noite de 6/12, sob forte repressão policial contra os manifestantes que lotavam o plenário Juscelino Kubistchek, com 62 votos favoráveis e um contrário (a bancada de oposição se retirou em protesto à repressão), foi aprovado o projeto de lei (PL) 1.501/2023, que autoriza a venda da parte que o governo detém (50,3%) da Sabesp.

Na noite de 12/12, foi a vez do projeto de lei complementar (PLC) 138/2023, que inicia a reforma administrativa no estado. Foram 61 votos favoráveis e 18 contrários. Veja detalhes na matéria “PLC 138/2023: Aprovação do início da reforma administrativa é “balão de ensaio” para impor remuneração por subsídio”. As medidas afetam o funcionalismo, aí inserido o Centro Paula Souza; embora não se apliquem às universidades, devido à autonomia, poderão servir de “inspiração” futura.

A reação organizada pelas categorias do funcionalismo – paralisações unificadas e atos na Alesp, como o do dia 28/11 – não foi suficiente para barrar a sanha privatista do ocupante do Palácio dos Bandeirantes. Já é público o interesse de Tarcísio em privatizar linhas de transporte público na Grande SP, do metrô e da CPTM. Também é pública a intenção de enviar à Alesp a segunda fase da reforma administrativa, abrangendo o conjunto do funcionalismo.

 

PEC 9/2023 prevê corte de 16,5% nos recursos da educação

Tramita na Alesp – onde entrou junto com o PL 1.501 e o PLC 138 – a proposta de emenda constitucional (PEC) 9/2023, que pretende alterar a Constituição paulista para reduzir os investimentos públicos em educação de 30% para 25% do orçamento estadual.

Este boletim do Fórum das Seis abre espaço para ampliar o debate sobre a PEC 9, que já conta com estudos e manifestações de órgãos públicos, entidades dos movimentos sociais e educadores.

A Constituição Paulista prevê, em seu artigo 255, que o estado deve investir na educação pública, no mínimo, 30% das receitas oriundas dos impostos arrecadados. Fruto das lutas dos movimentos sociais, o percentual é 5% superior ao mínimo previsto na Constituição Federal (25%), em seu artigo 212.

Na PEC 9/2023, o governador Tarcísio propõe reduzir o percentual para 25%, abrindo a possibilidade de que a diferença seja transferida para a saúde.

Num primeiro momento, 5% podem parecer um número pequeno. Mas não é. A redução de 5% no total de impostos corresponde a, aproximadamente, 16,5% a menos no montante atualmente destinado à educação pública paulista, um prejuízo de cerca de R$ 10 bilhões anuais.

 

“Não há dinheiro sobrando na educação paulista”, diz procuradora do MP

A procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo e professora de finanças públicas da FGV, Élida Graziane Pinto, rejeita a argumentação do governo estadual. “Não há dinheiro sobrando na educação pública paulista”, afirma em artigo publicado no jornal Folha de SP, em 17/11/2023.

O que o governo Tarcísio de Freitas alega ser um excedente de recursos destinados à educação no estado de São Paulo, já que a Constituição Federal estabelece um piso de 25%, para a procuradora se trata de uma “miragem contábil”. Ela lembra que os sucessivos governos paulistas vêm inserindo nos 30% todos os gastos com inativos, o que foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 5.719).

Com base nos dados disponibilizados no Portal da Transparência do Estado de SP, a procuradora mostra que, se retirados os gastos com a previdência do setor, o estado tem investido, no máximo, 23% das receitas em educação.

 

Defensoria Pública de SP questiona constitucionalidade

Parecer elaborado pelo Núcleo da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de SP classifica a PEC 9 como “inaceitável retrocesso social na área da educação, que passa por um momento extremamente sensível, após o período de pandemia, que afetou drasticamente a qualidade da educação no estado, exigindo ações e investimento para combater a evasão escolar, o atraso na aprendizagem, além de ofertar cuidados e acolhimento psicossocial.”

O documento da Defensoria, enviado aos/às parlamentares da Alesp, indica a rejeição da PEC 9 e lista um conjunto de fortes justificativas para isso. Dentre elas, estão as principais metas do Plano Estadual da Educação, ainda não atingidas no estado de São Paulo. Elas dizem respeito ao nível de alfabetização das crianças; às diferenças gritantes entre os resultados da rede particular e pública quanto ao conhecido índice de avaliação da qualidade da educação no país, o IDEB; às diferenças salariais dos/as profissionais da educação em relação aos/às demais profissionais com ensino superior; aos insuficientes números da formação continuada oferecida aos/às professores/as, entre outras.

“A opção por reduzir o financiamento da educação nesse momento aponta para um futuro desastroso, com professores mais empobrecidos, escolas com menos qualidade e aumento do analfabetismo no estado”, alerta a Defensoria.

Dentre os educadores citados no parecer, está José Marcelino Rezende Pinto, da USP, vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação. Ele é categórico ao dizer que a proposta pode significar uma “pá de cal” na educação básica, dificultando que as metas da educação sejam atingidas.

A Defensoria ressalta, ao final do texto, que a situação objetiva da educação paulista exige mais investimentos, e não cortes. Para o órgão, a redução do financiamento da educação, especialmente sem qualquer estudo sério sobre os impactos da medida na qualidade do ensino e sem apresentar análise sobre inviabilidade de outras medidas para garantir um orçamento mais robusto para a saúde (como a diminuição do orçamento em publicidade, isenções fiscais etc.), fere as Constituições estadual e federal, “por violar o princípio da proibição do retrocesso social, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana”.

Acesse o documento da Defensoria em: https://adusp.org.br/wp-content/uploads/2023/11/parecerpec92023.pdf 

 

Universidades, ETEC e FATEC: A PEC9 ameaça toda a educação pública paulista

O impacto danoso da aprovação da PEC 9/2023 não se fará sentir somente na educação básica do estado. Os recursos destinados às universidades estaduais paulistas – 9,57% da arrecadação do ICMS, quota-parte do estado – fazem parte dos 30% das receitas estaduais atualmente reservados à educação. Da mesma forma, o orçamento do Centro Paula Souza, que administra as escolas técnicas (ETEC) e faculdades de tecnologia (FATEC) espalhadas por todo o estado, também é parte deste percentual.

Assim, a enorme redução proposta – de 16,5% do montante– inevitavelmente trará retrocessos em todos os âmbitos da educação pública paulista.

 

“Será que a sociedade irá tolerar tamanho absurdo?”

A pergunta encerra artigo escrito por César Minto e Michele Schultz (ex-presidente e atual presidenta da Adusp e coordenadora do Fórum das Seis), publicado no Jornal da USP em 22/11/2023 (https://jornal.usp.br/artigos/a-quem-interessa-reduzir-os-recursos-constitucionais-da-educacao-paulista/).

O texto explicita a relevância da vinculação de recursos para a garantia dos direitos sociais preconizados pela Constituição Federal, entre eles educação e saúde. E ressalta, assim como o parecer da Defensoria Pública de SP, que o nosso estado necessita ampliar e não reduzir tais recursos.

No caso da educação, mesmo sendo o mais rico do país, o estado de São Paulo convive ainda com o analfabetismo (pleno e funcional), o que explica a necessidade da EJA, diz o artigo, elencando também os baixos índices de conclusão do ensino médio e o ínfimo acesso ao ensino superior. “Em síntese, uma vergonha nacional, e toda e qualquer redução de recursos para a educação pode implicar a piora destes dados de realidade, o que é inaceitável.”

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Carta aos deputados e às deputadas: “Não coloque seu nome neste retrocesso social” 

O Fórum das Seis (entidades sindicais e estudantis das universidades e Sinteps) está enviando carta a todos os deputados e deputadas, listando os argumentos presentes neste boletim e conclamando: “Não coloque seu nome neste retrocesso.” O texto solicita que o/a parlamentar manifeste publicamente ser contrário/a à PEC 9.

 

Tramitação

A PEC 9/2023 está em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Alesp, com relatório do deputado Carlos Cezar (PL) aprovando a proposta. Até o fechamento deste boletim, em 14/12, vários pedidos de vistas – dos deputados Bruno Zambelli (PL), Dr. Jorge do Carmo (PT), Dr. Eduardo Nóbrega (Podemos) e Professora Bebel (PT) – têm evitado que o relatório vá à votação. Se aprovado na CCJR, estará pronto para ser votado em plenário.

Por se tratar de mudança constitucional, a PEC precisa ser aprovada por três quintos do total de parlamentares.