face twitter youtube instagram

Callegari vê “tentativa criminosa de precarizar formação” na reforma do EM e aponta luta por revogação e nova proposta. Convidado em live do Sinteps também qualificou como “sórdida” intenção de Tarcísio de corte na educação

Em 2018, quando era presidente da Comissão Bicameral do Conselho Nacional de Educação, órgão responsável por consolidar o texto final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), dentro da reforma do ensino médio que havia sido aprovada pela Lei 13.415/2017, o sociólogo Cesar Callegari deparou-se com uma proposta enviada pelo então governo Michel Temer que qualificou como inaceitável. Não viu alternativa a não ser renunciar ao cargo e denunciar o que considerou uma “tentativa de brutalização da última etapa da educação básica”.

As denúncias de Callegari, um histórico militante em prol da educação pública, ex-deputado estadual por dois mandatos, secretário municipal de Educação de SP e secretário de Educação Básica do MEC, entre outros cargos, ganharam espaço na grande imprensa e especialmente nas organizações sociais e sindicais, mas não conseguiram impedir o estrago. Com a aprovação da BNCC, a reforma do ensino médio, que havia começado com uma medida provisória em 2016, pelas mãos do golpista Temer, e transformada em lei pelo Congresso Nacional no ano seguinte, teve o complemento que faltava para tornar-se realidade. Em 2022, ainda sob rescaldo dos dois anos de pandemia, começou a ser implantada nos estados.

No dia 22 de março de 2023, data de uma nova jornada nacional de manifestações pela revogação da reforma do ensino médio, Callegari foi o convidado especial do Sinteps para debater o assunto em uma live que contou, também, com a participação da presidente e do vice-presidente da entidade, Silvia Elena de Lima e Renato de Menezes Quintino.

Ao dar início à atividade, Silvia ressaltou o desejo do Sinteps de esclarecer os trabalhadores do Centro Paula Souza sobre a importância da luta pela revogação. “Quando falamos de ensino médio, o pessoal do técnico pode entender que não tem a ver com eles, mas a reforma deforma todo o sistema educacional”, disse a presidente do Sindicato, lembrando que o Centro foi a primeira instituição pública do país a implementar os princípios da reforma, fazendo a redução dos currículos e demitindo muitos professores. A substituição do ETIM (os cursos integrados médio/técnico de tempo integral) pelo MTEc (cursos de período único) só não foi completa devido à reação da comunidade, organizada pelo Sindicato. “Das 4.500 horas do ETIM, já tivemos uma redução para 3.000 horas no MTEc”, enfatizou Renato. 

Em sua exposição, Callegari destacou os principais problemas do “novo” ensino médio implantado com a reforma, que impôs uma drástica redução da carga horária para as disciplinas da formação geral básica (Português, Matemática, História, Geografia, Artes, Ciências, Sociologia) a partir do segundo ano, abrindo espaço para os chamados itinerários formativos. “Trata-se de uma base reducionista, uma tentativa criminosa de precarizar a formação, que vai provocar mais exclusão, diminuir a já precária qualidade do ensino médio e aprofundar as desigualdades educacionais no país”, apontou. No estado de São Paulo, que teve no ex-secretário de Educação Rossieli Soares o principal executor da reforma, atualmente os itinerários formativos acumulam cerca de 200 currículos na rede estadual, dos mais diversificados, com algumas disciplinas “exóticas”, como: “O que rola por aí”, “RPG”, “Mudo Pets SA”, “Brigadeiro caseiro” etc. 

Obrigadas a se adequar ao novo formato, as escolas públicas veem piorar um cenário que já era dramático: excesso de alunos, laboratórios precários, falta de docentes e, agora, professores pressionados a adotar disciplinas que não lhes dizem respeito para não perder carga horária. 

Não bastasse tudo isso, o novo formato permite que uma parte da formação (até 20%) seja dada à distância. “Não somos contra as tecnologias, mas é evidente que elas não podem substituir a escola como local de experimentação criativa, de construção de valores e aprendizado, o que só pode acontecer em formato presencial”, pontuou Callegari.

“É miragem dizer que o jovem vai poder escolher sua formação em meio ao corte dos conteúdos, quase nenhuma metodologia e precariedade dos itinerários. É evidente que isso pode produzir ainda mais frustração, condenando esse jovem a uma cidadania cada vez mais precária, sem preparo para a continuidade dos estudos e para o mundo do trabalho”, lamentou o expositor, resumindo o “novo” ensino médio: um “tapa na formação”, como se diz popularmente. 

E, enquanto a confusão e a precariedade se aprofundam na rede pública, as escolas de elite vão driblando as regras do “novo” ensino médio e mantendo a integralidade da formação de seus estudantes. 

E qual seria o caminho?

Callegari reforçou a defesa de que a reforma do ensino médio em vigor precisa ser revogada, sob o risco de aprofundarmos ainda mais as desigualdades educacionais e de oportunidades. Ele participou da elaboração do programa de educação do governo Lula e esteve no grupo de trabalho da transição que apresentou propostas para a área. 

“A proposta aprovada pelo presidente eleito foi de compromisso de rever a reforma do ensino médio, fazer uma análise criteriosa para fins de sua modificação”, assegura. “Quando o atual ministro propõe um grande debate, isso está de acordo com o documento que apresentamos ao presidente”.

Ponderando que a revogação não pode se dar “por decreto” do presidente Lula e que terá que passar pelo Congresso Nacional, Callegari considera imprescindível que a sociedade, organizada nos movimentos sociais da educação, apresente uma nova proposta para colocar no lugar do que será revogado. 

“Não se muda nada em políticas públicas sem um compromisso para a implantação de uma nova ordem, que não pode ser a do passado, pois o antigo ensino médio era ruim. Sabemos que havia uma enorme fragmentação curricular, principalmente porque os governos não investem na formação contínua dos professores para ter integração multidisciplinar, e que a evasão e os resultados na formação já eram grandes problemas. Por isso, não podemos apenas reivindicar a revogação e devolver o que existia antes. Agora, num ambiente democrático que conquistamos, temos condições de debater uma proposta substitutiva e encaminhá-la ao Congresso, junto com a reivindicação da revogação.”

“Antes do golpe de 2016, tínhamos avançado bastante neste debate e devemos aproveitar tudo o que já havia sido feito para prosseguir agora e confluir para uma nova proposta o quanto antes. A reforma precisa ser revogada e para isso é preciso que a opinião pública pressione o Congresso. Vamos à luta, pois é só com ela que as coisas podem avançar”, concluiu o sociólogo, conclamando os trabalhadores e os estudantes.

Tarcísio propõe corte na educação

A live realizada pelo Sinteps em 22/3 coincidiu com a divulgação, pela imprensa, da proposta do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) de enviar à Assembleia Legislativa um projeto de emenda à Constituição paulista, reduzindo a exigência de investimentos mínimos na educação pública de 30% para 25% das receitas do Estado. 

Para Callegari, a proposta é “sórdida”, pois sequer aplicamos os 30%. Ele integrou uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) quando era deputado paulista, em 2000, que comprovou o não cumprimento do mínimo constitucional à educação pelo governo da época, realidade que se mantém até hoje.

A presidente do Sinteps lembrou que mesmo os 30% ainda seriam insuficientes. “Muitas das nossas escolas, aqui no Centro Paula Souza, estão caindo aos pedaços, chove nos laboratórios, terceirizados entram em greve por falta de pagamento, a Internet é precária, nossos salários estão arrochados”, exemplificou. “É evidente que o governo precisa ampliar os investimentos em educação e não reduzir. Não permitiremos que isso aconteça e, se o governador insistir, haverá uma grande greve na educação paulista.”

Quer ver a íntegra da live?

A gravação da live pode ser conferida aqui: