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Porque o país precisa de dez por cento

do PIB para a educação pública

 

Em junho de 2012, uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou um substitutivo ao projeto de Plano Nacional de Educação proposto pelo Executivo (PL n° 8.035/2010, PNE 2011-2020). Esse substitutivo prevê um aumento gradativo do investimento público em educação pública, que deverá atingir 7% do PIB até o quinto ano e 10% do PIB até o décimo ano de sua vigência.

A aprovação do substitutivo foi fruto de lutas embasadas em argumentações desenvolvidas por entidades acadêmicas, científicas, sindicais e estudantis e movimentos sociais no campo da educação. Os valores aprovados são significativamente superiores aos aplicados na área nas últimas décadas, embora aquém do que o país precisa para prover de fato uma educação de qualidade socialmente referenciada, direito estabelecido na Constituição de 1988. Para que esse aumento se efetive e seus resultados sejam reais, há algumas tarefas complementares a serem cumpridas, e que precisarão ter um acompanhamento constante.

A primeira tarefa é estabelecer de forma mais objetiva as responsabilidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na composição dos recursos para a educação pública. A segunda é planejar como esse aumento de recursos será aplicado. Um planejamento detalhado implica um exame, também minucioso, dos gastos nas diferentes esferas de governo, nos dois níveis educacionais e nas várias etapas e modalidades de ensino. Um exercício preliminar, apresentado neste texto, permite avaliar os alcances do aumento previsto de 10% do PIB para a Educação. A terceira tarefa é definir o acompanhamento desses recursos, como será feita sua fiscalização e seu controle.

Deixar de cumprir essas tarefas abre brechas para que esse aumento seja dirigido, no todo ou em parte, para contemplar grupos sociais já privilegiados ou, ainda, para políticas apenas e tão somente assistencialistas.

O reconhecimento de que é necessário chegar aos 10% do PIB para a educação pública foi uma vitória importante, mesmo que parcial, e deve motivar todos a continuar na luta, pois o substitutivo aprovado na Comissão pode encontrar resistências no Senado Federal ou mesmo na própria na Câmara dos Deputados, caso o governo consiga submetê-lo ao plenário da casa, ou ainda ser parcialmente vetado após toda a tramitação, como ocorreu com o PNE 2001-2010. Assim, é necessário intensificar as campanhas realizadas até agora, divulgando amplamente fatos e argumentos em defesa de mais recursos para a educação pública.

I - O que é possível realizar com mais recursos para a educação pública

O atendimento de direitos sociais exige recursos. Boa parte da precariedade escolar e pós-escolar vivenciada atualmente no país deve-se ao financiamento historicamente insuficiente dos dois níveis da educação: básica e superior.

A educação é uma das poucas áreas nas quais os efeitos da adoção de políticas incorretas só são visíveis em prazos iguais ou superiores a meia década. Por exemplo, os efeitos da desvalorização da profissão docente na educação básica, que são antigos e crescentes, foram notados pela sociedade mais agudamente na última década e deveriam ter sido solucionados no início do período de vigência do PNE 2001-2010, o que não foi feito.

A destinação de menos de duzentos reais por criança/jovem por mês - como acontece hoje por meio do valor mínimo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) - impossibilita proporcionar uma educação básica de qualidade. Tais valores são responsáveis pelo salário abaixo dos dois mil reais para professor licenciado em universidade e dedicado à  profissão durante 40 horas por semana.

Para começar a superar problemas como esse, firmou-se o consenso de que seria preciso chegar a um padrão mínimo de qualidade, a ser assegurado em todas as escolas de educação básica no país. Assim, estabeleceu-se como critério geral o Custo Aluno Qualidade (CAQ) e a quem cabe garanti-lo: a União em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios. Mas, como chegar ao valor do CAQ? A LDB já havia indicado um caminho ao definir padrões mínimos de qualidade de ensino como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem (art. 4°, IX). Nesse contexto, vários pesquisadores, departamentos, faculdades de educação e entidades da sociedade civil desenvolveram esforços na busca de qual deve ser o recurso gasto por estudante para se ter um ensino de qualidade.

A definição do CAQ envolve a necessidade de caracterização das escolas típicas (creche, pré-escola, anos iniciais e finais do ensino fundamental, ensino médio, anos iniciais e finais do ensino fundamental na educação do campo), para as quais é preciso estabelecer os seguintes padrões: número de estudantes por turma, quantidade de profissionais e sua remuneração, equipamentos, construção, dentre outros insumos. Deve-se prever, ainda, recursos para que as escolas desenvolvam projetos especiais, para formação profissional de toda a equipe escolar e para a administração central dos sistemas de ensino.

Nesse sentido, com base no conceito de CAQ, movimentos sociais que militam na área da educação formularam o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), entendendo-o como um primeiro passo rumo à  educação pública de qualidade no país. A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer 08/2010, definindo o CAQi como referência para a construção da matriz inicial de Padrões Mínimos de Qualidade para a Educação Básica Pública no Brasil. Contudo, mesmo sendo os valores assim apontados ainda muito insuficientes, até hoje este Parecer não foi homologado, o que revela a resistência do Executivo em ampliar os recursos para o financiamento da educação básica.

Recursos historicamente insuficientes também provocaram o grande desequilíbrio entre vagas e candidatos na educação superior pública e a crescente privatização desse nível educacional, que acabou por se tornar um reduto muito vulnerável a interesses meramente mercantis, contrariando frontalmente as necessidades da nação.

Escolas de educação básica e instituições de educação superior precisam ter, no mínimo, bibliotecas e laboratórios equipados e em plena atividade, além de todas as demais condições adequadas para o seu funcionamento. A pesquisa precisa ser incentivada, para formar profissionais capazes de formular perguntas e respostas originais, numa era de constante modificação do conhecimento, em todas as áreas.

Por fim, destaca-se um dos grandes nós da educação na atualidade: os salários dos docentes na educação básica precisam ter seu poder de compra praticamente duplicado, apenas para acompanhar a renda típica dos trabalhadores com formação superior atuantes na profissão em que se formaram. Já os salários dos docentes na educação superior precisam alcançar, no mínimo, um padrão atraente para manter bons profissionais na esfera pública. O enfrentamento de nós como esses permitirá melhorar a educação no país.

Educação Básica. É necessário melhorar a qualidade da escola pública, pois esta é o único local onde a maioria da população tem acesso ao conhecimento sistematizado. É importante aumentar progressivamente o número de horas que os estudantes nela permanecem, proporcionando ambientes para uma interação social positiva e para um crescimento pessoal saudável. Para tanto, é imprescindível contar com professores com boa formação específica e detentores de compromisso social.

Além de remuneração condigna, o professor precisa ter condições adequadas para sua ação, tanto no que se refere à s horas de trabalho como no que diz respeito ao número de estudantes em sala de aula; ambas são condições essenciais para prover educação de qualidade. A educação infantil, primordial na formação da criança, precisa ser significativamente ampliada e melhorada, especialmente a creche. É urgente universalizar a conclusão do ensino fundamental e dispensar atenção especial ao ensino médio e profissionalizante. Tudo isso exige recursos financeiros.

Muitos países proporcionam ao jovem a possibilidade de completar sua formação básica com uma qualidade que lhe permite maior chance de inserção no mundo do trabalho, inclusive por meio de uma educação profissional bem estruturada. Dados do final da década passada revelam que mais de 80% dos jovens nos cerca de 30 países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) completam o correspondente ao ensino médio até os 25 anos de idade. No Brasil, a taxa de conclusão escolar ainda é extremamente baixa, apesar de haver, desde novembro de 2009, previsão legal de obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos de idade, a partir de 2016, abrangendo todas as etapas da educação básica (Emenda Constitucional n° 59).

Hoje, um terço dos estudantes ainda vem sendo excluído do sistema educacional brasileiro, sem ao menos completar o ensino fundamental, sendo que até o final do ensino médio essa exclusão já terá atingido a metade dos jovens. Afora isso, a oportunidade de acesso à  educação profissional tem sido extremamente limitada. Como decorrência disso, cerca de 60 milhões de maiores de 15 anos de idade foram ou são impedidos de completar o ensino fundamental e 90 milhões de pessoas (ou seja, uma em cada duas) não tiveram ou não têm acesso ao ensino médio.

E cabe lembrar que, segundo a Constituição vigente, é obrigação nacional garantir o direito à  educação básica - com adaptações didáticas adequadas à s especificidades das respectivas faixas etárias - a todos aqueles que, por algum motivo, não tiveram a oportunidade de frequentá-la na época esperada.

Educação superior. Atualmente, três quartos de todas as matrículas presenciais nesse nível da educação estão concentradas no setor privado, contrastando com o que é verificado na maioria dos demais países, inclusive os da América Latina, e menos da metade destas se encontram em universidades. Vale lembrar que poucas são as instituições de ensino superior (IES) privadas que se dedicam à  pesquisa, requisito imprescindível para uma formação efetiva em nível superior, mesmo quando ostentam o título de universidade.

Uma consequência disso é que a sociedade brasileira está perdendo o referencial quanto à  qualidade na educação superior; muitas vezes, a instituição é escolhida pelos candidatos em função da proximidade geográfica, de mensalidades baixas e da eventual possibilidade de obtenção do diploma com maior facilidade, por exemplo, por meio do ensino à  distância (EAD), deturpando a função social desse nível de ensino. A proposta apresentada neste texto pretende indicar uma rota para alterar essa situação.

O grande desafio a superar, visando uma melhor distribuição da oferta entre as áreas e especialidades e, também, entre as regiões geográficas brasileiras, é a ampliação do acesso ao ensino superior público de qualidade. Essa intervenção é essencial, até mesmo para possibilitar a formação adequada dos profissionais que atuarão na docência, tanto na educação básica como na educação superior. A ampliação das vagas públicas é especialmente importante para profissões, como as da área da Saúde, de várias engenharias, entre outras que, como as da área da Educação, demandam uma formação específica consistente com a responsabilidade social que lhes é inerente.

A formação universitária demanda recursos substanciosos, como reconhecido internacionalmente. É principalmente nesse nível educacional que, mesmo com o aumento da destinação até 10% do PIB para a educação como um todo, será muito difícil atingir o estágio final até o fim da década, pois muita instituição pública precisará ser implantada a partir da estaca zero. Por outro lado, é também essa etapa que, a médio prazo, prometerá os maiores retornos econômicos e sociais.

II - Estimativas de ações possíveis e de seus custos

Aumento do número de docentes na educação básica . O Brasil apresenta altas médias de estudantes por professor, bem como de alunos em sala de aula. A primeira relação - estudantes/professor - constitui-se em um índice que permite avaliar se estão adequadas ou não as condições de organização e funcionamento existentes nas escolas e nos sistemas escolares; a segunda relação - alunos/sala de aula - permite avaliar as condições materiais e pedagógicas à s quais professores e estudantes estão sendo submetidos.

O país ostenta hoje, considerando as matrículas efetivadas, uma relação de 23 estudantes por professor na educação básica, com problemas especiais nas duas etapas iniciais: mais de 14 crianças por educador na creche e mais de 18 na pré-escola, relações estas que extrapolam muito as praticadas mundialmente. Isso acarreta uma superpopulação nas salas, o que dificulta um bom atendimento e sobrecarrega o trabalho dos educadores. A recente ampliação do ensino fundamental para nove anos é um dado novo que também exige a redução de alunos por turma, pois as crianças de apenas 6 anos estão ali iniciando seu processo de alfabetização. A inclusão social de pessoas com deficiência já deveria ter implicado uma redução no número de estudantes em cada classe, para viabilizar o necessário atendimento individualizado. Sem atuar sobre esses tipos de problema não há como garantir uma educação de boa qualidade.

Para atingir níveis internacionalmente praticados na educação infantil, a relação crianças/educador precisaria ser pelo menos reduzida à  metade, com a consequente duplicação do número de professores em atividade. Além disso, o atendimento está bem abaixo das necessidades, em particular quanto à  creche. Mudar essa situação implica triplicar o número de professores na creche; se houver demanda por turno integral para metade das crianças, seria necessário mais do que quadruplicar o número de professores.

Mesmo que a pré-escola seja mantida, por ora, em turno parcial para a maioria das crianças, a melhoria da qualidade do ensino implica mais do que duplicar o número de docentes. Assim, ao invés dos pouco menos de 400 mil professores envolvidos hoje com a educação infantil, precisaria haver da ordem de 1,1 milhão em atividade para atender, com alguma qualidade, cerca de 11 milhões de crianças, da creche à  pré-escola.

No ensino fundamental, para chegar a uma proporção próxima a 15 estudantes por professor, relação esta já atingida por países de economia intermediária como o Brasil, é necessário aumentar em praticamente 50% o número de professores em atividade. Para ter alguma efetividade sobre as condições do trabalho docente e, por extensão, sobre as condições de ensino e de aprendizagem, essa meta teria que ser alcançada no período máximo de três anos, incentivando os jovens a seguirem estudos nas Licenciaturas e se candidatarem à  carreira docente. Um aumento de 14% no número de professores no ensino fundamental a cada ano, durante três anos, permitiria cumprir essa meta. Esse aumento possibilitaria reduzir a carga de trabalho dos docentes e ampliar o período de permanência dos estudantes nas escolas.

Acrescentando-se, ainda, as necessidades dos ensinos médio e profissional, para os quais seria necessário, respectivamente, duplicar e triplicar o número de docentes aos atuais 2 milhões de profissionais em atividade, atendendo cerca de 50 milhões de matrículas na educação básica, teriam que ser acrescentados, respectivamente, 700 mil profissionais na educação infantil, outros 700 mil no ensino fundamental e 650 mil nos ensinos médio e profissionalizante, perfazendo um aumento de praticamente 100%.

Esse aumento de professores permitirá, também, atender aqueles que foram prematuramente excluídos do sistema educacional.

Remuneração de professores e demais trabalhadores em educação. Os salários dos professores e seu piso salarial precisam ser dobrados em um prazo curto, certamente inferior a cinco anos. Como, atualmente, a remuneração dos professores da educação básica corresponde a cerca de 1,5% do PIB, o aumento da dotação de recursos para a educação permitirá, já no início da vigência do PNE, um reajuste superior a 30%. Reajustes significativos devem atingir, também, os demais trabalhadores da educação.

A se atender, ainda, a necessidade de duplicação do quadro docente na educação básica, só para promover uma efetiva melhora desse nível escolar teriam que ser aplicados, após três anos, ao todo, 6% do PIB nacional, desconsiderando a educação superior e outras modalidades, como a educação de jovens e adultos ou a educação especial. Mesmo despesas com as necessárias ampliações em infraestrutura para o adequado atendimento nas matrículas que já teriam sido aumentadas, não estão incluídas nesse percentual. Desse modo, apesar de a melhoria na educação básica pública ser pré-condição para qualquer possibilidade de inclusão efetiva nos demais níveis, já que atende quase 90% das crianças e jovens do país, provavelmente haverá necessidade de as matrículas e o quadro docente apenas crescerem em período temporalmente mais dilatado. Ou seja, talvez seja possível atingir o quadro necessário de 4 milhões de docentes na educação básica apenas ao longo de cinco ou mais anos.

Aumento de vagas e matrículas no ensino superior público . Para reverter a situação de domínio do setor privado, de questionável qualidade educacional no nível superior, medidas enérgicas precisam ser iniciadas, inclusive tentativas na área legal, já que a situação atual tem reflexos sérios sobre a sociedade, comprometendo o futuro do país.

A medida mais eficaz seria uma expansão importante de vagas e matrículas no setor público. A última década já testemunhou ações nesse sentido: entre 2005 e 2010, as matrículas nas IES públicas cresceram 32%, tendo à  frente a expansão das instituições federais (IFES), cujo número de estudantes aumentou em 58%, consequência de um acréscimo de 104% nos ingressos. Esse esforço foi importante, contudo, deveria ter sido acompanhado do correspondente reforço nas verbas para as universidades, em particular as federais. O fato de o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) ter destinado apenas 20% a mais em recursos para a manutenção do conjunto de federais assim ampliado e a insuficiente quantia de 2,5 bilhões de reais para a ampliação das instalações em mais de 50 IFES - pode ser facilmente entendido como um fator a contribuir para a crise que vivem atualmente essas instituições.

Apesar de os ingressos anuais nas IFES terem duplicado, continuam representando apenas 14% do total de mais de 2 milhões de ingressos em cursos superiores. As instituições estaduais de educação superior (IEES), que foram criadas em praticamente todos os estados brasileiros e também viveram expansões recentes, englobam atualmente apenas cerca de 7% dos ingressos.

A maioria dos jovens ingressa em IES privadas, que para atrair os menos favorecidos vêm se beneficiando, dentre outras ações, do continuado aumento do número de bolsas ProUni, pagas pelo erário público; ademais, os jovens têm-se inscrito crescentemente em cursos Ã  distância (EAD) privados, que apresentaram no período um crescimento enorme, em sua grande maioria em instituições de qualidade discutível. As matrículas em EAD no país já correspondem a quase um quinto do total, sendo que 46% dessas matrículas se encontram em licenciaturas. Essa situação precisa ser modificada.

Para não perder a referência na qualidade que as IES públicas ainda ostentam, é essencial que qualquer iniciativa de expansão adicional venha acompanhada dos recursos correspondentes e que, nos dois primeiros anos de vigência do próximo PNE, sejam destinadas verbas específicas para consolidar a expansão Reuni, ainda em andamento. Ações análogas são indispensáveis também no setor das IEES, onde muitas se ressentem da falta de recursos, em particular nos novos campi, muitos situados longe das capitais.

Propõe-se, assim, que a expansão adicional se inicie apenas ao terceiro ano de vigência do PNE, com cerca de 150 mil ingressos adicionais ao ano em IES públicas, excluindo as IES municipais, que por falta de recursos na prática se assemelham mais à s instituições privadas. Esse montante corresponderia, de início, a aumentos da ordem de um terço das vagas já existentes e precisaria ser ajustado visando atingir, ao cabo dos 10 anos de vigência do PNE, perto de 1,5 milhões de ingressos anuais em IFES ou IEES. Essa nova situação permitiria duplicar o número de formandos qualificados nas áreas de Saúde e Engenharia, e aumentar em muito os egressos nas áreas de Agronomia e Veterinária, além de prover o sistema educacional da quota anual necessária para reposição de docentes, entre tantas outras urgências.

A pós-graduação stricto sensu, por enquanto pública em sua quase totalidade, precisa assim ser mantida, consoante com o que ocorre em praticamente todos os outros países. Envolvendo a pesquisa, ela certamente não pode ser oferecida mantendo as características que a distinguem, pelo atual parque de IES privadas.

Para fazer frente à s demandas futuras de desenvolvimento nacional, é importante que ocorra o devido planejamento: seria de esperar que, ao fim da década de implementação do PNE, da ordem de 10% dos formandos queiram prosseguir em sua formação acadêmica. Isso significaria cerca de 100 mil ingressantes na pós-graduação por ano. O aumento seguido de cerca de 10 a 15 mil novas bolsas, a cada ano, possibilitaria que candidatos em piores condições financeiras pudessem se dedicar a tarefas de pesquisa, básica ou aplicada, auxiliando fortemente o desenvolvimento nacional pelo esforço na obtenção de resultados originais.

Pelo menos 2% adicionais do PIB, perfazendo mais de 3% do PIB, incluído aí o reforço na pós-graduação, precisarão ser destinados à  educação superior, se o objetivo for a recuperação da qualidade em todo esse nível educacional, atualmente bastante afetado por políticas que privilegiaram a predominância do setor mercantil privado.

Nas condições da população brasileira, também é imprescindível que a gratuidade seja proativa, ou seja, que verbas sejam explicitamente incluídas para possibilitar alimentação e moradia subsidiadas, em particular na educação superior. Pelo menos 0,5% do PIB serão necessários para esta meta, ao fim da década de vigência do PNE.

III - Resultados necessários e possíveis

Recursos públicos no total de 10% do PIB nacional, alcançados ao fim da vigência do PNE atualmente em discussão, e realmente aplicados nessa área estratégica durante alguns anos após esse prazo, podem fazer toda diferença para a reversão da grave situação vivenciada hoje na educação brasileira em seus dois níveis.

O PIB brasileiro vem crescendo a taxas superiores ao crescimento da população, o que não ocorria desde a segunda metade do período ditatorial (1964-1985) e tem provocado um significativo aumento da renda per capita já ao longo de vários anos. Assim, dirigir parte desse crescimento para o setor educacional não implicará nenhum sacrifício extra à  população, nem impactará negativamente nenhuma atividade social, ao contrário: seus impactos serão positivos. Destinar uma maior parte do PIB para a educação não significa comprometer sua taxa de crescimento: ele continuará crescendo, mas mais intensamente na forma de mais trabalhadores no setor formal dedicando-se à  educação, de uma maior produção de bens e serviços, também destinados a atividades educacionais, de mais construção civil, mas voltada a equipamentos escolares etc..

Vale ressaltar que investimentos em educação trazem retornos econômicos significativos - afora todos os retornos sociais - e até maiores do que investimentos feitos diretamente no setor produtivo. Assim, possivelmente durante o período de vigência do PNE o país já terá um reflexo econômico positivo no PIB, de tal forma que os investimentos feitos comecem a ter retorno.

Um novo Plano Nacional de Educação que se paute nos argumentos aqui desenvolvidos pode permitir a superação dos déficits educacionais e sociais que o país continua a ostentar em pleno século XXI. Esse Plano permitirá também tornar a sociedade brasileira mais democrática e participativa, contribuindo para a construção de uma educação que viabilizará a consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (CF/1988, art. 3º, incisos I a IV).

Mas, para que seja possível a construção, a execução e o acompanhamento de um Plano Nacional de Educação nos moldes aqui propostos, é essencial contar com o compromisso redobrado das entidades acadêmicas, científicas, sindicais, estudantis, movimentos sociais e também das pessoas preocupadas com a promoção de educação de boa qualidade para toda a população, todos esses especialmente organizados de modo democrático e participativo para o exercício de controle social efetivo e permanente.

SUA CONTRIBUIÇÃO É MUITO IMPORTANTE, PARTICIPE!

São Paulo, 24 de agosto de 2012

(Texto produzido pela Associação dos Docentes da USP e socializado entre as entidades que compõem o Fórum das Seis)